Horas mortas... curvadas aos pés do Monte
A planície é um brasido... e, torturadas,
As árvores sangrentas, revoltadas,
Gritam a Deus a bênção duma fonte!
E quando, manhã alta, o sol postonte
A oiro a giesta, a arder, pelas estradas,
Esfíngicas, recortam desgrenhadas
Os trágicos perfis no horizonte!
Árvores! Corações, almas que choram,
Almas iguais à minha, almas que imploram
Em vão remédio para tanta mágoa!
Árvores! Não choreis! Olhai e vede:
- Também ando a gritar, morta de sede,
Pedindo a Deus a minha gota de água! !
Florbela Espanca
Ser Poeta
Ser poeta é ser mais alto, é ser maior
Do que os homens! Morder como quem beija!
É ser mendigo e dar como quem seja
Rei do Reino de Aquém e de Além Dor!
É ter de mil desejos o esplendor
E não saber sequer que se deseja!
É ter cá dentro um astro que flameja,
É ter garras e asas de condor!
É ter fome, é ter sede de Infinito!
Por elmo, as manhãs de oiro e cetim…
É condensar o mundo num só grito!
E é amar-te, assim, perdidamente…
É seres alma e sangue e vida em mim
E dizê-lo cantando a toda a gente!
Florbela Espanca
3 comentários:
Mulher mal amada de nascença. Que pena a maravilhosa poesia que nos legou se basear em dor e sofrimento que foram constantes na sua vida...
Obrigado por nos trazerem aqui estes dois belos poemas e esta foto/ícone de uma das primeiras feministas do seu tempo.
"Que pena a maravilhosa poesia que nos legou se basear em dor e sofrimento que foram constantes na sua vida..."
É verdade, colega... Mas não será a poesia, baseada na dor e no sofrimento, que mais nos toca?
Acredito que se a Florbela não tivesse sofrido toda essa dor, a sua poesia não teria brotado tão bela... tão profundamente sentida.
Meu caro anónimo:
É absolutamente verdade o que diz.
Mas continuo a lamentar o facto de o nosso prazer se alimentar do sofrimento alheio.
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