E todos os anos, quando chegava o mês de Maio, ou mais exactamente, no dia 12 de Maio, às dez e um quarto da manhã (que foi a hora em que eu nasci), a minha mãe abria a porta do meu quarto, acordava-me com um beijo e colocava numa jarra um ramo de rosas vermelhas, sem palavras. Só as suas mãos, compondo as rosas, oficiavam nesse estranho silêncio cheio de ritos e ternura.
(...)
Em Maio de 1963, eu estava na cadeia, isto é, de certo modo, eu estava no meu posto. No dia 12 não acordei com o beijo de minha mãe.
Porém, nessa manhã (não posso dizer ao certo porque não tinha relógio, mas talvez – quem sabe? -, às dez e um quarto, que foi a hora em que eu nasci), o carcereiro abriu a porta e entregou-me, já aberta, uma carta de minha mãe. E ao desdobrar as folhas que vinham dentro do sobrescrito violado, a pétala vermelha, duma rosa vermelha, caiu, como uma lágrima de sangue, no chão da minha cela.
Manuel Alegre
3 comentários:
Mas que "coisa" mais comovente.
Obrigado por nos darem estes nacos de prosa que nos fazem reviver sentimentos, por vezes adormecidos !
Texto magnífico, sem dúvida, quer pela forma quer pelo conteúdo.
Lembro-me de o ter lido, uma noite, ao meu filho. Era ele ainda um miúdo mas, depois de lhe ter explicado o contexto político em que havia sido escrito, ele adorou e penso que, ainda hoje se recorda.
Finalmente encontro alguém que não contava apenas histórias da carochinha aos seus filhos...
Parabéns caro (a) anónimo (a)
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